quinta-feira, 9 de abril de 2020

Coronavírus, Educação à distância, Educação domiciliar (Homeschooling) e o desespero


Não sei se começo esse texto rindo daqueles, cidadãos de bem, que outrora lutavam pelo tal homeschooling ou se inicio chorando pelos meus colegas de profissão que conhecem bem a realidade da educação em um país gerenciado pela absurda insensatez.
            Lembro-me de quando o Excelentíssimo Presidente da República assinou o projeto de lei que regulamentava o ensino domiciliar no Brasil acreditando que essa modalidade de ensino já era uma realidade no país, contudo sem lei que regulamentasse os requisitos mínimos necessários para a efetivação desse. Nessa modalidade os pais assumem o papel de tutores/mediadores do processo de ensino e aprendizagem dos seus filhos.
Uma pergunta: Queridos papais e mamães, estão gostando de ensinar seus filhos? Alunos doces, compreensíveis, educados, oriundos de famílias de bons costumes e excepcional moral? É tão fácil ensinar, não é?  Para ser professor nem precisa de formação, não é? Basta amor, dedicação e uma bíblia debaixo do braço, correto?
Acorda estrelinha do bem !!!!!
Deixa-me pontuar algumas questões para facilitar o seu entendimento, ok?
Mas há algo importante que você família tradicional brasileira precisa saber antes. Você precisa saber por quais motivos eu me sinto no direito de esclarecer essas questões. Você precisa saber por quais motivos estou me dando o direito de ocupar esse lugar de fala, certo?
Como já sabem, sou Victor Magalhães, licenciado em Química, especialista em Psicopedagogia Institucional, Mestre em Química, Doutorando em Ensino de Ciências. Atuo como professor de Química e Ensino de Química no curso de Licenciatura em Química de um Instituto Federal do Rio de Janeiro. Tenho experiência em pesquisa na área de formação de professores, identidade docente, currículo e práxis pedagógica. Sou também coordenador voluntário do Programa Residência Pedagógica. Programa esse que é fruto de uma política pública de incentivo à formação de professores. Atuei durante 5 (cinco) anos como tutor de Educação à distância na maior universidade pública do Rio de Janeiro.
Bom, agora que já sabe um pouquinho mais sobre a minha formação em balbúrdia e orgias, vou te dizer que a loucura envolvida no tal homeschooling se deve à construção de uma identidade coletiva sobre a profissão docente:
A noção de que para ser professor o que menos importa é a formação e o estudo. Os requisitos mínimos, diante desse contexto, para ser professor são: dom, amor, dedicação, estar disposto a sofrer e estar disposto a ganhar pouco.
Essa normalmente é a fala da “sociedade” quando alguém admite querer ser professor. O diálogo é mais ou menos assim:
“Sociedade”: E aí, o que você quer fazer da vida?
Futuro professor: Quero ser professor!
“Sociedade”: Ah que pena! Vai ganhar tão pouco! Não vai ser respeitado! Mas você realmente fala muito bem, tem o dom. É isso aí ... Boa sorte!

Ser professor é muito mais do que ter dom.
Ser professor é muito mais do que ter amor.
Ser professor é muito mais do que ter dedicação.
Ser professor não é ter nascido para sofrer.

Para ser professor é necessário fazer educação. É necessário entender qual é a sua função social. É necessário entender qual é a função social da escola.
Quando você, papai e mamãe, que brada para os 4 cantos do mundo que pode ensinar seu filho em casa, entender esses três pontos, certamente, vai desistir de insistir na ignorância da educação domiciliar nos moldes propostos até o momento.
Preciso também esclarecer que educação domiciliar é diferente de educação à distância (EAD). A primeira modalidade dispensa a presença do professor, já a segunda tem a presença do professor como mediador, além do uso de recursos tecnológicos.
Em se tratando da EAD há também diversas questões a serem apontadas para reflexão.
A primeira delas é que no nosso país não existe formação de professores habilitados para atuar com essa modalidade de ensino. Isso é um fato!
Outro aspecto é que EAD não se faz colocando alunos em frente ao computador para assistirem professores cuspindo conteúdos ao vivo como se estivessem em aula presencial. Essa ação não consiste só em um erro, como também em um atentado à saúde do professor e do aluno. A exposição à luz dos aparelhos eletrônicos durante horas seguidas, assim como a ergonomia são fatores que precisam ser discutidos.
Além disso, a EAD, em um país periférico como o nosso, reforça as desigualdades sociais que se impõem em virtude do acesso aos recursos tecnológicos que a maioria das pessoas insistem em dizer que todos possuem. Essa não é a realidade. Muitos alunos estão em situação de quase miséria. Não possuem computadores, celulares... Eles não têm comida, minha gente!
Você que apoia a EAD já parou para refletir sobre o fato de que muitos professores e alunos não têm conhecimento de informática necessário para trabalhar com essa modalidade de ensino.
            É importante ressaltar também que o currículo para a EAD é e deve ser diferente que o currículo para o Ensino Presencial. Não adianta usar o currículo tradicional à distância. Não funciona!
            Assim, não haverá construção de conhecimento. Só haverá um professor cuspindo conteúdo e um aluno memorizando temporariamente o conteúdo cuspido. É a tal da educação bancária.... Mas você que apoia todos esses absurdos não deve saber o que é educação bancária, já que sua ignorância refuta Paulo Freire mesmo sem saber quais foram as belíssimas contribuições dele para e na Educação, de forma geral.
            Uma pergunta: Você acha que realmente nos tempos em que estamos vivendo, devemos dar aulas à distância para seus filhos sobre os conteúdos tradicionais? Regras gramaticais, distribuição eletrônica, progressão geométrica.....?

            Será que não é tempo de significar o momento que estamos vivendo?
Será que não é momento de significar a solidariedade?
Será que não é momento de significar a justiça social?
Será que não é momento de significar a ignorância daqueles que discordam do isolamento social?
Será que não é momento de significar a blasfêmia do químico autodidata?
Será que não é momento de significar as fake News?

Meus queridos, se você pensa que o currículo tradicional deve ser abordado em virtude da mensalidade do colégio que está pagando ou do cumprimento dos dias letivos obrigatórios para que você não perca a oportunidade de viajar e curtir suas férias quando tudo isso passar, eu preciso te dizer que você não entendeu absolutamente nada. Absolutamente nada sobre educação, sobre mundo, sobre ser, sobre existir...
Você não entendeu nada assim como os políticos que exigem a prática dessa modalidade de ensino nas escolas públicas.
Você já pensou que professores também possuem família? E que para dar aula para o seu exemplar filho ele terá que deixar de significar um monte de coisas para a sua família?
Você já parou para pensar que em momentos de confinamento preservar a saúde mental de todos é prioridade? E que os professores fazem parte desse grupo que chamamos de todos!
Você já parou para pensar que não sabe nada sobre educação, sobre ensino e que por isso não tem o direito de dizer a nós, professores por formação, o que devemos fazer?

Eu sou professor!
Eu sou professor formador de professor!
Eu sou professor e o meu trabalho ao longo dessa caminhada é tentar formar professores que entendam a educação como recurso de emancipação social.
Eu sou professor e tento formar professores que saibam significar contextos e situações com a intenção de diminuir a ignorância e execrar a burrice!
Eu sou professor e faço educação para a democracia. Fascistas não passarão!
Eu sou professor e faço educação para a liberdade!
Eu sou professor, e você estrelinha?


FIQUE EM CASA!

Por Victor Magalhães

10 comentários:

  1. Contra fatos não há argumento. Ótimos pontos abordados. Parabéns pelas reflexões

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  2. Você me fez lembrar o mestre Attico Chassot.
    Parabéns pelo texto.

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  3. Muito bem colocado. Estamos vivendo essas cobranças aqui. Esse texto representa bem o que percebemos e sentimos, não só nesse momento. Obrigada!

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  4. Muito bom o texto!! Concordo plenamente!
    Um grande abraço professor!

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  5. Palavras libertadoras, que expressam uma revolta sadia, do quanto os professores são diminuídos perante a sociedade conservadora, um texto como esse precisa ser passado adiante pra chegarem nesses pais, que talvez nunca refletiram sobre o tema...
    Estou compartilhando!
    Viva a Educação progressista, libertaria!

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  6. 👏👏 Parabéns!! Excelente abordagem sobre esse assunto tão delicado; ser professor aos olhos da sociedade e dos governantes. 😘

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