Não
sei se começo esse texto rindo daqueles, cidadãos de bem, que outrora lutavam
pelo tal homeschooling ou se inicio chorando pelos meus colegas de profissão
que conhecem bem a realidade da educação em um país gerenciado pela absurda insensatez.
Lembro-me de quando o Excelentíssimo
Presidente da República assinou o projeto de lei que regulamentava o ensino
domiciliar no Brasil acreditando que essa modalidade de ensino já era uma
realidade no país, contudo sem lei que regulamentasse os requisitos mínimos
necessários para a efetivação desse. Nessa modalidade os pais assumem o papel
de tutores/mediadores do processo de ensino e aprendizagem dos seus filhos.
Uma
pergunta: Queridos papais e mamães, estão gostando de ensinar seus filhos?
Alunos doces, compreensíveis, educados, oriundos de famílias de bons costumes e
excepcional moral? É tão fácil ensinar, não é?
Para ser professor nem precisa de formação, não é? Basta amor, dedicação
e uma bíblia debaixo do braço, correto?
Acorda
estrelinha do bem !!!!!
Deixa-me
pontuar algumas questões para facilitar o seu entendimento, ok?
Mas
há algo importante que você família tradicional brasileira precisa saber antes.
Você precisa saber por quais motivos eu me sinto no direito de esclarecer essas
questões. Você precisa saber por quais motivos estou me dando o direito de
ocupar esse lugar de fala, certo?
Como
já sabem, sou Victor Magalhães, licenciado em Química, especialista em
Psicopedagogia Institucional, Mestre em Química, Doutorando em Ensino de
Ciências. Atuo como professor de Química e Ensino de Química no curso de
Licenciatura em Química de um Instituto Federal do Rio de Janeiro. Tenho
experiência em pesquisa na área de formação de professores, identidade docente,
currículo e práxis pedagógica. Sou também coordenador voluntário do Programa
Residência Pedagógica. Programa esse que é fruto de uma política pública de
incentivo à formação de professores. Atuei durante 5 (cinco) anos como tutor de
Educação à distância na maior universidade pública do Rio de Janeiro.
Bom,
agora que já sabe um pouquinho mais sobre a minha formação em balbúrdia e
orgias, vou te dizer que a loucura envolvida no tal homeschooling se deve à
construção de uma identidade coletiva sobre a profissão docente:
A
noção de que para ser professor o que menos importa é a formação e o estudo. Os
requisitos mínimos, diante desse contexto, para ser professor são: dom, amor,
dedicação, estar disposto a sofrer e estar disposto a ganhar pouco.
Essa
normalmente é a fala da “sociedade” quando alguém admite querer ser professor. O
diálogo é mais ou menos assim:
“Sociedade”: E aí, o que você quer
fazer da vida?
Futuro professor: Quero ser
professor!
“Sociedade”: Ah que pena! Vai
ganhar tão pouco! Não vai ser respeitado! Mas você realmente fala muito bem,
tem o dom. É isso aí ... Boa sorte!
Ser
professor é muito mais do que ter dom.
Ser
professor é muito mais do que ter amor.
Ser
professor é muito mais do que ter dedicação.
Ser
professor não é ter nascido para sofrer.
Para
ser professor é necessário fazer educação. É necessário entender qual é a sua
função social. É necessário entender qual é a função social da escola.
Quando
você, papai e mamãe, que brada para os 4 cantos do mundo que pode ensinar seu
filho em casa, entender esses três pontos, certamente, vai desistir de insistir
na ignorância da educação domiciliar nos moldes propostos até o momento.
Preciso
também esclarecer que educação domiciliar é diferente de educação à distância
(EAD). A primeira modalidade dispensa a presença do professor, já a segunda tem
a presença do professor como mediador, além do uso de recursos tecnológicos.
Em
se tratando da EAD há também diversas questões a serem apontadas para reflexão.
A
primeira delas é que no nosso país não existe formação de professores habilitados
para atuar com essa modalidade de ensino. Isso é um fato!
Outro
aspecto é que EAD não se faz colocando alunos em frente ao computador para
assistirem professores cuspindo conteúdos ao vivo como se estivessem em aula
presencial. Essa ação não consiste só em um erro, como também em um atentado à saúde
do professor e do aluno. A exposição à luz dos aparelhos eletrônicos durante
horas seguidas, assim como a ergonomia são fatores que precisam ser discutidos.
Além
disso, a EAD, em um país periférico como o nosso, reforça as desigualdades sociais
que se impõem em virtude do acesso aos recursos tecnológicos que a maioria das
pessoas insistem em dizer que todos possuem. Essa não é a realidade. Muitos
alunos estão em situação de quase miséria. Não possuem computadores,
celulares... Eles não têm comida, minha gente!
Você
que apoia a EAD já parou para refletir sobre o fato de que muitos professores e
alunos não têm conhecimento de informática necessário para trabalhar com essa
modalidade de ensino.
É importante ressaltar também que o
currículo para a EAD é e deve ser diferente que o currículo para o Ensino
Presencial. Não adianta usar o currículo tradicional à distância. Não funciona!
Assim, não haverá construção de
conhecimento. Só haverá um professor cuspindo conteúdo e um aluno memorizando temporariamente
o conteúdo cuspido. É a tal da educação bancária.... Mas você que apoia todos
esses absurdos não deve saber o que é educação bancária, já que sua ignorância refuta
Paulo Freire mesmo sem saber quais foram as belíssimas contribuições dele para
e na Educação, de forma geral.
Uma pergunta: Você acha que
realmente nos tempos em que estamos vivendo, devemos dar aulas à distância para
seus filhos sobre os conteúdos tradicionais? Regras gramaticais, distribuição
eletrônica, progressão geométrica.....?
Será
que não é tempo de significar o momento que estamos vivendo?
Será que não é momento de
significar a solidariedade?
Será que não é momento de
significar a justiça social?
Será que não é momento de significar
a ignorância daqueles que discordam do isolamento social?
Será que não é momento de significar
a blasfêmia do químico autodidata?
Será que não é momento de significar
as fake News?
Meus
queridos, se você pensa que o currículo tradicional deve ser abordado em
virtude da mensalidade do colégio que está pagando ou do cumprimento dos dias
letivos obrigatórios para que você não perca a oportunidade de viajar e curtir
suas férias quando tudo isso passar, eu preciso te dizer que você não entendeu
absolutamente nada. Absolutamente nada sobre educação, sobre mundo, sobre ser,
sobre existir...
Você
não entendeu nada assim como os políticos que exigem a prática dessa modalidade
de ensino nas escolas públicas.
Você
já pensou que professores também possuem família? E que para dar aula para o
seu exemplar filho ele terá que deixar de significar um monte de coisas para a
sua família?
Você
já parou para pensar que em momentos de confinamento preservar a saúde mental
de todos é prioridade? E que os professores fazem parte desse grupo que
chamamos de todos!
Você
já parou para pensar que não sabe nada sobre educação, sobre ensino e que por
isso não tem o direito de dizer a nós, professores por formação, o que devemos
fazer?
Eu
sou professor!
Eu
sou professor formador de professor!
Eu
sou professor e o meu trabalho ao longo dessa caminhada é tentar formar
professores que entendam a educação como recurso de emancipação social.
Eu
sou professor e tento formar professores que saibam significar contextos e
situações com a intenção de diminuir a ignorância e execrar a burrice!
Eu
sou professor e faço educação para a democracia. Fascistas não passarão!
Eu
sou professor e faço educação para a liberdade!
Eu
sou professor, e você estrelinha?
FIQUE
EM CASA!
Por
Victor Magalhães
Contra fatos não há argumento. Ótimos pontos abordados. Parabéns pelas reflexões
ResponderExcluirObrigado!
ExcluirVocê me fez lembrar o mestre Attico Chassot.
ResponderExcluirParabéns pelo texto.
Que honra!
ExcluirÉ importante que você se identifique!
Muito bem colocado. Estamos vivendo essas cobranças aqui. Esse texto representa bem o que percebemos e sentimos, não só nesse momento. Obrigada!
ResponderExcluir🤩😍🤩😍
ExcluirMuito bom o texto!! Concordo plenamente!
ResponderExcluirUm grande abraço professor!
Obrigado querida!
ExcluirPalavras libertadoras, que expressam uma revolta sadia, do quanto os professores são diminuídos perante a sociedade conservadora, um texto como esse precisa ser passado adiante pra chegarem nesses pais, que talvez nunca refletiram sobre o tema...
ResponderExcluirEstou compartilhando!
Viva a Educação progressista, libertaria!
👏👏 Parabéns!! Excelente abordagem sobre esse assunto tão delicado; ser professor aos olhos da sociedade e dos governantes. 😘
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