A comida estava quase pronta, a mesa já arrumada com os pratos, talheres e copos. Era domingo por volta das 13h. Flávia já havia chamado Pedro, seu marido, algumas vezes pra almoçarem juntos. O casal de filhos, Caio e Bianca, já aguardavam ansiosamente pro início da refeição.
- "Vamos logo mãe, deixa meu pai pra lá. Depois ele almoça. Você não sabe que ele é assim! Ele nunca pode!"
Flávia, após ouvir o apelo dos filhos, sentou-se e serviu a comida com o coração apertado. Ela desejava do fundo do coração que pudesse ao menos no domingo fazer uma refeição com a família completa.
Como já não tinha forças pra insistir, almoçou, conversou com seus filhos. Trocaram ideias sobre o que havia acontecido durante a semana passada e quais eram os planos pra semana vindoura.
Após o almoço, descansaram um pouco. Antes de ir tirar seu cochilo foi até ao pequeno escritório que tem em sua casa, deu um beijo na testa do seu marido e lamentou disfarçadamente o fato de ele não ter participado da refeição.
Quando acordou, resolveu levar os meninos ao cinema. Chamou Pedro e ele disse que não poderia ir, pois estava terminando de preparar documentos importantes pro trabalho.
Flávia foi ao cinema com os filhos. Depois fez um lanche com eles e então entre muitas gargalhadas discutiram sobre o filme que assistiram.
Essas situações já tinham virado rotina na vida daquela família. A ausência de Pedro mesmo que presente fisicamente já era uma constante naquela casa.
Na quinta feira, não diferente de todos os outros dia da semana, Pedro levantou-se as 5h pra ir trabalhar. Tomou banho, comeu alguns biscoitos com café e andou em direção à porta pra ir trabalhar.
Antes de sair de casa, olhou rapidamente ao redor e o sentimento de orgulho inflou no seu peito enquanto pensava :
"Graças ao meu trabalho consegui conquistar essa casa linda e os carros que estão na garagem. É com o meu trabalho que consigo dar a vida que minha mulher e meus filhos merecem ".
E assim entrou no carro e foi enfrentar mais um dia duro de bastante compromissos profissionais.
Quando às 21h desse mesmo dia Pedro se deu conta que precisava voltar pra casa, arrumou, rapidamente, sua bolsa e telefonou pra casa com a intenção de falar com a Flávia, sua esposa.
Mas a tentativa foi sem sucesso. Foi então quando resolveu ligar pro celular da Flávia. Chamou, chamou, chamou e ninguém atendeu!
Pedro, então, pegou seu carro e foi pra casa. Durante o caminho pensou novamente sobre o quanto era feliz por poder dar à sua família conforto e uma condição financeira bacana.
Ao chegar à casa viu sobre a mesa uma carta. Sorrir e pensou: "Minha esposa e filhos estão preparando uma surpresa pra mim!"
Tomou a carta assinada por Flávia em suas mãos, sentou-se e deu início a leitura.
" Meu querido e amado Pedro. Quero agradecer por tudo que fez por mim e nossos filhos. Quero agradecer muito pelo conforto que você sempre nos ofereceu!
Mas, com o coração partido, resolvi mudar de vida. Resolvi que deveria tentar encontrar alguém que tivesse a família como prioridade, já que o conforto conseguido pelo trabalho só é conforto se desfrutado juntos.
Nossos filhos cresceram e tenho certeza que vc não sabe muitas coisas sobre eles.
Tenho certeza também que você não sabe que há 3 anos eu não como mais frutos do mar.
Tenho certeza que você não sabe que há dois meses fui demitida por ter faltado o emprego pela 5 vez consecutiva pra levar a Bianca ao médico. Ela está com cálculos nos rins .
Tenho certeza que você não percebeu que tentei conversar com você inúmeras vezes sobre sua ausência.
Ah meu amor, estou indo com muita dor no coração, com muito amor no peito, mas com a consciência tranquila.
Eu preferiria uma casa simples, mas com a minha família completa!
Obrigado por tudo e boa sorte!
Beijos de quem te amou e esperou todos os dias,
Flávia. "
Após ler a carta, Pedro sentiu o mundo esmagar seu corpo. Com uma dor lancinante deixou que algumas lágrimas caíssem dos seus olhos.
Não sabia o que fazer!
Olhou ao redor, viu a mesma casa que lhe dera orgulho. Olhou pra garagem e viu os carros.
Pensou em todo aquele conforto e teve a certeza que sua esposa tinha sido muito injusta. Afinal, ele trabalhava pra dar o melhor pra sua família.
Foi para seu quarto e viu sobre a cama 3 cadernos grandes.
Abriu os cadernos um a um. E cada folha tinha um diálogo. Tinham mais de mil diálogos.
Os diálogos eram textos que Flávia lia.
Eram sempre entre uma mulher e outra pessoa, do gênero masculino. Mas somente a mulher tinha falas.
Ora, pensou ele, mas que textos sem graça. Isso não são diálogos. São só monólogos. Qual é a graça que a Flávia via nisso? Conversar sem ter alguém pra responder?! Eu não consigo entender!
Então, resolveu tomar banho e foi quando de repente ele realizou que aqueles cadernos representavam a sua vida de casado com Flávia.
Naquele momento decidiu que deveria enfrentar sua rotina de trabalho de outra forma, mas a Flávia.....
A Flávia?
A Flávia já estava lendo outros cadernos!
O autor informa que o nome dos personagens é fictício.
Victor Magalhães
É fato que afeto e relações humanas são de extrema importância para uma vida plena e de momentos felizes. Mas vale pensar também que, com minha mãe dizia, cada um dá o que tem. Um homem que se dedica integralmente ao trabalho, o faz por amor a família. O que quero dizer é que não tem amor melhor ou pior. Mas as vezes não identificamos esse amor por esperar uma demonstração dentro dos moldes de nossos sonhos.
ResponderExcluirBelíssima crônica. Obrigada por proporcionar mais um momento de reflexão com tanta delicaza. Beijo grande.
Concordo com você minha amiga. Resolvi escrever sobre este assunto, pq muitos dos que me rodeiam de forma consciente ou não passam por essa situação.
ExcluirMas vale a reflexão...
Beijos
Caramba profundo! Muito bom e se não tomar cuidado ficamos igual ao marido rsrsrs
ResponderExcluirPois é isso minha amiga.
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